Como cores de carros são definidas no Brasil? Entenda tendências e tecnologias

Michael Nilo Voltz
Michael Nilo Voltz

Laranja e azul brilham entre lançamentos, mas branco, preto e prata ainda pintam 80% do mercado

Observe os principais carros lançados no primeiro semestre de 2024 no Brasil. Além do visual mais ou menos semelhante — em qualquer categoria sobressaem faróis afilados, grades mais finas, além da unânime frente muito vincada –, novas cores brilham em modelos como Renault Kardian, Novo Chevrolet Spin, Ford Mustang 2024 e BYD Dolphin Mini e King, entre outros.

Agora, repare no estacionamento do escritório, do condomínio ou do shopping. Se lançamentos têm paleta bem diversa e trazem novidades até de tecnologia de pintura, como você lerá neste texto e verá na galeria, o branco, o prata ou o cinza e o preto ainda são as cores de carros que dominam, com mais de 80% da participação em ruas e garagens do Brasil.

Qual a explicação para a mesmice? E quais tendências e apostas tentam desviar dessa prática? Como consumidores e oficinas de customização e reparo recebem as novidades?

Quais as novas cores de carros no Brasil em 2024
A General Motors renovou o monovolume Chevrolet Spin (R$ 119.990 iniciais) com uma cor azul metálica (chamada Boreal) bem tradicional, que parece conversar pouco com o visual bastante angular e recortado da frente.

Essa nova cor usada pela Chevrolet também é distante do amarelo “táxi carioca” (Stone, oficialmente), que marcou o Spin Activ7 na última renovação, em 2019.

Aliás, toda a paleta atual do Spin é bastante sóbria: branco, preto, prata e cinza, não escapando nem mesmo com a cor metálica verde (Safari), que de longe pode ser confundida com outro tom de preto ou cinza. Ou seja, tudo o que temos de “normal” no mercado.

Por sua vez, a rival Ford trouxe o novo Mustang (a partir de R$ 529 mil) que remete aos anos 1980 (e à clássica terceira geração) com um vermelho (Zadar) bastante aceso, ao lado de um azul (Algarve) menos esportivo e mais puxado ao cinza.

Ambas, porém, são bastante tecnológicas e foram boladas para ressaltar cada vinco do novo cupê, mesmo sob luz forte, mas também não perder brilho e intensidade com o tempo, nem defasar tão rapidamente.

“Essas duas cores usam verniz especial, tingido, feito especialmente para a cor-base do Mustang, que ressalta o tom e preserva o resultado. Se fosse um verniz básico, que geralmente é azul, queimaria a cor, mas não queremos isso”, explicou Andréa Sagiorato, designer de cores e materiais da Ford América do Sul.

Além disso, os tons – desenvolvidos em parceria com a empresa norte-americana, de origem alemã de tintas e revestimentos Axalta (ex-Dupont) – ressaltam os vincos fortes da carroceria do novo Mustang, algo que foi definido no desenvolvimento não só do desenho do carro, como da produção das tintas.

“Para curvaturas e vincos da carroceria do carro, do shape definido pelos designers, a gente agrega pigmentos especificos que agregam valor aos veiculos, é algo que a gente precisa definir junto com os desenvolvedores do carro. Neste caso, a cor nasce por necessidade da fabricante”, afirmou Fernando Purificação, gerente de projetos, tecnologia e desenvolvimento de cores da Axalta.

Por terem estilo mais sóbrio, do que, por exemplo, o cinza fosco (Dove) do Mustang Mach One da geração passada, vermelho e azul tendem a ficar mais tempo no mercado sem perder valor, finaliza Sagiorato, da Ford, que aponta ainda a tendência de queda de interesse pelo cinza.

“O azul volta a surfar com força, mas diferente do que estamos acostumados, com uma tendência acizentada, como é o Algarve. Por outro lado, a cor cinza em si está caindo [em popularidade], porque era muito polarizado”, concluiu.

Renault quer jovens com “emotech”; BYD aposta no tradicional
Prometendo entrar em “nova fase”, a Renault mostrou no começo do ano o inédito crossover/SUV urbano compacto Kardian (com preços a partir de R$ 112.790) ousando não apenas no design, mas também na cor de chegada, um laranja (Energy) bem aceso e que, como no Mustang, não fica menos detalhado sob o sol.

“Trazemos o conceito de mudança total, e o SUV Kardian, como o próprio nome diz, é cardíaco, pulsante, quente e alegre, como a cor laranja, indo de encontro com essa vitalidade, prosperidade e sucesso que a gente busca para nosso novo caminho”, detalhou Fabiana Pereira, designer de cores e materiais da Renault.

Repetindo o que tem feito em suas últimas apresentações, a marca francesa diferencia a versão de topo (Première Edition, R$ 132.790), com teto preto. A combinação bitom também está no revestimento interno de painéis e bancos, “para atrair público jovem com apelo emocional e tecnológico”, segundo a profissional, com conceito que a marca classifica como “emotech”.

Embora seja desruptiva em si, a gama de elétricos da chinesa BYD teve um mini-reforço, em tamanho, mas já que é o elétrico mais vendido do país. O sub-compacto elétrico Dolphin Mini, com preço de R$ 115.800, foi mostrado nos mundanos preto e branco, além de um destacado verde (Sprout).

O rosa (Peach) que deu o tom no irmão maior Dolphin, foi pouco visto no lançamento do subcompacto.

O recém-apresentado BYD King (R$ 175.800 a R$ 187.800), sedã médio híbrido que chega para desafiar o todo-poderoso Toyota Corolla, chegou apenas com as três cores dominantes como opção: branco (White), preto (Cosmos) e cinza/prata (Time).

Há dois motivos apurados: tanto Mini, quanto King são carros dos quais se espera maior volume e, assim, precisam agradar um perfil mais variado – logo, com mais chance de ser conservador.

Além disso, segundo a PPG, outra gigante norte-americana do setor de pinturas e revestimentos, só agora em 2024 a marca chinesa começa a discutir uma paleta mais ao gosto do Brasil e da América do Sul.

É bom lembrar que o Dolphin Mini é forte candidato a ser fabricado em Camaçari (BA). Outra aposta poderia ser, também, o próprio King. De uma ou outra forma, já funciona como sondagem de interresse público.

Mais ou menos o mesmo ocorre com os novos Audi A4 e A5 quattro, lançados em maio com tração integral e preços a partir de R$ 333.990. O sedã premium e sua variante cupê não vão vender tanto entre os executivos com uma cor jovem e chamativa como a da perua esportiva RS6 Avant Legacy (azul Algarve), de R$ 1,36 milhão. Mas pode ir bem com vermelho (Progressivo) e verde (Distrito), essa bem à moda inglesa. Ainda assim, a Audi sabe (e se preparou para) entregar algo comedido: oito das 12 tonalidades vão do cinza ao branco.

Qual a tendência de cor de 2024?
Juntos, os modelos citados — e suas cores — revelam de maneira cabal tendência recente da indústria automotiva: vermelho e azul sobem na preferência, rebocando tons entre floral e pastel (laranja, rosa) à distância.

Mas branco, preto e cinza ainda lideram, sem qualquer ameaça.

Segundo cálculo de empresas do setor de pintura e revestimento automotivo, com pouca discrepância entre os dados apresentados, o mercado brasileiro tem a seguinte paleta:

Branco, preto e prata/cinza: 82% a 85%;
Vermelho e azul: 8% a 10% ao todo;
Amarelo e laranja: cerca de 1%, cada;
Verde e subtons: menos de 1%;
Todas as outras cores: somam 3% a 7%
Segundo Purificação, da Axalta, azul e vermelho serão usados para criar “passionalidade”, sempre que uma fabriante quiser “arriscar” ou vender a ideia de item “premium” no Brasil.

Já o branco como cor de preferência surgiu em meados de 2008 na Europa, mais uma vez embalado como premium, primeiro por BMW, depois Audi, Mercedes-Benz e Porsche. Por lá, é apenas a terceira cor mais pedida, com vermelho, amarelo e azul subindo no ranking.

No Brasil, que importou o padrão do branco como “luxo” (até então, era vista somente como cor de serviço para ambulâncias e táxis em muitas praças), o domínio do tom seguirá forte no mercado, enquanto o cinza perde um pouco de força, mas ainda crescerá nos próximos anos – lançamentos de Stellantis e Toyota, só para citar dois grupos de grande influência em nosso mercado, terão lançamentos nesse tom nos próximos meses.

Esse retrato menos colorido marca um mercado que já compra carros pensando no valor de revenda em até dois anos, oposto do que ocorre na Europa e Japão.

“Quem vive nos Estados Unidos ou Europa acaba passando mais sua personalidade para o carro. Com muito frio e muita neve, ter cores que se destacam e alegram é essencial. No Brasil, tem a questão da revenda, de perder menos dinheiro com possível desvalorização e isso limita a demanda”, calculou Marcelo Zanete, diretor de negócios da gigante norte-america de tintas e revestimentos PPG.

Cores extravagantes ajudam a desvalorizar modelos que, normalmente, já perderiam de 20% a 30% no mercado de carros semi-novos e usados.

Daí, apesar do esforço de montadoras automotivas e fabricantes de tintas, muitos dos carros nas ruas serem vistos em tons mais neutros, mais fáceis de revender.

Celular de hoje define cor do carro amanhã
Aliás, quem pinta carros não são apenas os fabricantes do setor automotivo. Cada vez mais, a cena da moda global, bem como da tecnologia, definem as tendências que influenciam o que se vê em garagens.

Quando se fala de roupas e objetos para casa, a cor da vez é geralmente apresentada pelo catálogo da Pantone: para 2024, a “cor do ano” é o Peach Fuzz, uma mistura de laranja com rosa, que lembra o mamão que começou a amadurecer e tem o código interno 13-1023.

Essa cor sólida e lisa já foi vista, em anos anteriores, em roupas e calçados de diversas grifes esportivas, bem como em celulares de Apple e Samsung. Mas não pode ser empregada diretamente nos carros, já que cores para carros são granuladas, concentram metais e são fabricadas de outra forma.

Ainda assim, o tom da moda influencia fabricantes automotivos a usar tons pastel (como é o caso do azul do Mustang, do rosa do Dolphin Mini, até mesmo do cinza do Spin) ou cores voltadas ao espectro do laranja (como no caso da Renault).

Se formos falar só de carro, o tom automotivo do ano é o Starry Night (Noite Estrelada, na tradução), determinado pela Axalta, em campanha de marketing que é similar àquela da Pantone. De cara, parece um preto perolizado. Mas há mais profundidade: as diferentes camadas de pigmentos e vernizes garantem um preto profundo, com “flocos” azulados que garantem brilho a depender do ângulo.

Segundo a Axalta, texturas e detalhes dessa cor dão ar de “modernidade e tecnologia” para a segunda cor mais vendida globalmente (20% a 22% das entregas). Isso perpetua uso sem dó não só do preto, mas de cinza e azul pelas marcas, apesar do conservadorismo.

“[Preto] ainda é um tom forte, embora não seja o mais pintado nem no Brasil, nem no mundo. Por aqui, já foi nos anos 2000, com 40%, mas em 2010 veio a mudança para o branco com os carros da Europa. Agora, temos cinza como preferido por lá e em fase de crescimento aqui”, indicou Purificação, discordando da ideia de que o cinza vá perder força tão cedo.

Lembra do Spin? Traduzindo o marketing da GM com a tendência do Starry Night: mesmo sem mudança real de geração ou de plataforma, a fabricante afirma ter subido o patamar com tecnologia e novos equipamentos, em relação ao modelo anterior. E ainda pega na mão do comprador habitual, mais conservador – o Spin é “best seller” entre frotistas e entre quem precisa de sete lugares.

Como uma cor é criada ou destruída?
Ainda que possam ser analisadas como modismo, cores e tons seguem à risca o que designers-chefes, engenheiros e químicos especialistas em cores do Brasil e do exterior levam meses – até anos – para planejar.

Uma nova paleta de cores é capaz de reafirmar ou modificar totalmente a identidade não só de um carro, mas até de uma montadora.

Basta pensar que quando você, que gosta de carros, se depara com um esportivo verde metálico, quase no tom de caneta marca-texto, vai lembrar na hora da Mercedes-Benz e seu verde Green Hell Magno (em alusão ao apelido histórico da pista de Nürburgring, na Alemanha, “Inferno Verde”).

Mas se for um carro compacto em tom verde chamativo, com parachoque cinza antracite, muito certamente será um Fiat Uno Way 2010 (cor chamada Box).

Com tamanha responsabilidade, leva de três a até cinco anos para que novas cores automotivas sejam definidas.

“Todo novo produto passa por testes de alta durablidade, de longa duração. A prova da cor dura de um a três anos, dependendo dos requisitos do cliente. Testes de longa duração e exposição a raios ultra-violeta (UV), mais três a quatro meses, sendo que às vezes ajustes são feitos e esse ciclo recomeça”, afirmou Zanete, da PPG.

Tanto tempo é preciso não apenas para criar uma nova cor, mas sobretudo para prever quanto ela vai desbotar e tentar evitar isso. Testes de exposição à luz UV precisam garantir que a cor dure até 10 anos sob o sol. Combinação de pigmentos determinam não só se o tom vai agradar ao designer, mas se o mercado de pós-venda vai conseguir reproduzir a tinta para reparos e repinturas.

“Tem uma foto famosa de Fuscas coloridos na avenida Paulista, aqui em São Paulo, nos anos 1970”, relembrou Zanete. “Mas como estão hoje? Depois de um tempo todos ficavam brancos, porque os vernizes não tinham durabilidade na exposição à luz UV”.

Dos três a cinco anos, o último ano acaba sendo gasto na discussão do período de durabilidade e no processo de reparo de marcas de riscos e colisões, junto a empresas como a holandesa AkzoNobel, referência neste mercado da chamada repintura.

Afinal, qualquer técnica especial de pintura criada precisa ser replicada em treinamento para capacitar vendedores e oficinas.

“O processo para o mercado de repintura também avançou demais. Se a montadora tem processo deles, com alta temperatura, prime por imersão e ambiente controlado, na repintura a gente replica isso com verniz tingido, processo de tri-coat, ferramentas altamente tecnológicas e treinamento intenso”, apontou Giovani Ferraz, gerente técnico de Serviços da AkzoNobel.

De acordo com Viviane Martins, gerente de negócio de Repintura Automotiva Latam da AkzoNobel, entre as novas ferramentas estão o cromatógrafo (equipamento que garante a fidelidade de identificação de um tom específico de cor), base de dados global com 2 milhões de fórmulas e técnicas próprias: “Com o tempo, a propria cor tem variação com desgaste e intempéries, então ferramentas ajudam na medição e, se não achamos imediatamente, temos a pesquisa do banco de dados”.

Voltando ao exemplo do Ford Mustang, o pigmento colorido original acaba virando pintura tri-coat (três camadas, que são a base, um verniz transparente e outro verniz de poliuretano), que é mais barata de se produzir e aplicar, mas que “traz resultados quase idênticos, com durabilidade e enaltecimento da cor”, segundo Ferraz.

Tecnologia e ampla base de dados também permitem que o aftermarket avance na descoberta de tons inclusive no mercado de customização, como lojas do Brasil e do exterior já fazem ao produzirem unidades com pinturas únicas, escolhidos a dedo pelo comprador.

Essa tendência pode crescer nos próximos anos, sobretudo se abraçada por fabricantes de modelos premium e de luxo de forma mais ampla — atualmente, isso já existe para séries limitadas.

Ainda assim, saiba que, apesar do florescer de novas cores e técnicas em 2024, não haverá mudança radical nos tons encontrados no estacionamento do shopping, da firma ou da faculdade. Branco e preto ainda vão dominar nosso mercado.

Além disso, o cinza, sobretudo aqueles mais foscos, que dão a ideia de que o carro não tem pintura, seguirá em alta, ainda que designers apontem novas tendências.

E há ainda o peso sobre o mercado de reparação, repintura e customização, que é cada vez mais um parceiro, não um concorrente das fabricantes.

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